sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

Alessandro Atanes, para o Porto Literário

Entre os poemas para o fim do mundo que a coluna vem apresentando e traduzindo nas duas últimas semanas, a partir da compilação Poesía para el fin del mundo, feita por Estela Men-doza para a editora artesanal Kodama Cartonera, de Tijuana, México, há um que, além do tema que mais chamou a atenção no fim do ano, traz também uma bela imagem portuária para o inventário do Porto Literário.

É o poema Balsa, de Víctor Argüelles (poeta, professor e artista plástico de Veracruz, também no México), em que o mundo parece acabar em uma tempestade que atinge um “porto de luzes cegas”. À tradução então, acompanhada por uma imagem sem título do autor:

Balsa

I
Não chove... ninguém escuta o batimento que treme
desprendido de uma raiz profunda
Ninguém escuta um estertor de vozes, uma oração filtrada
como água desgarrando da rocha
Abaixo a memória foi substituída
abaixo tiritam os ossos
O núcleo que prediz o fim é uma chama
uma couraça partida; o fogo do princípio
é o retorno ao fim
Escrito no ar, um balbucio disperso foi mais um redemoinho
que uma couraça coberta de pó
Couraça nas trevas, não emite um rugido
que enche a boca de apoios para um canto
no dia em que terá cicatrizado por dentro
Algo nomeio apenas com uma aresta do silêncio
algo me assegura que minhas palavras partidas
não penderão do fio eterno
Me abrirei à consistência do perdido
da fumaça negra de que desprende a cinza
Atravessada estará a resposta, longe de banhar com a luz
as costas dos astros
longe de sacudir a poeira encapsulada
que não foi orvalho na manhã
Longe de continuar a marcha
a inesgotável marcha
pela periferia do naufrágio
Um tremor me deixa fissuras, abandona os indícios do pulso vivo
me submerge na mais caudalosa tempestade
as vozes que não digo habitam sob a terra

A balsa abriu as passagens, as enormes asas transparentes
Em nome da salvação
deixou a margem e uma coroa de espuma
extensas redes na borda da intempérie

Uma balsa
no nome da tempestade
arrastou para a corrente
ervas daninhas de movimentos, vozes trepadas
umas nas outras como um rugido coletivo
como um vulcão que se vê à distância de seu horizonte
com sua lava secreta apenas orvalhando a vista
Foi débil o pedaço de madeira
esperou anular a esperança
em um porto de luzes cegas.

II
Os desterrados falam e emudecem
agora: a proximidade do ar lhes revela
a exalação que emitem as entranhas
Uma boca aberta desde a primeira luz do olho
foi um primeiro grito, depois um tremor de palavras
exalação de cansaço como uma chuva insistente
O final que as bocas emitem selam os poros da terra
O cansaço como uma chuva
sobre o asfalto
Caminhará por horas em círculos concêntricos
apenas para topar com a meta atingida.


Leia o livro on line


Referência
Vários autores. Poesía para el fin del mundo. Compilação de Estela Mendoza. Tijuana, México: Kodama Cartonera, 2012.

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